A necessidade de dividir os “puxões de orelha”

Pais de família estão cada vez mais participativos, atuantes, necessários,
afetivos, fundamentais na criação dos filhos, ao contrário do que acontecia nas
gerações anteriores, quan- do o pai era uma figura cerimoniosa, o provedor que
tinha a última palavra nas questões graves e terceirizava o resto. Hoje não. Hoje os
pais deitam, rolam, se embolam, se envolvem nas pequenezas cotidianas, são
quase mães. de-

Quase. Porque tem uma coisa que a maioria deles ainda não consegue
assumir: a desagradável tarefa de fa- zer-se odiar.

Li essa frase num livro (em outro contexto) e achei que fechava perfeitamente
com a maternidade. O que é ser mãe, senão tomar para si o papel de chata da
família?

As cobranças do dia a dia são especialidade nossa: o que comeu, o que
vestiu, se tomou banho, a toalha no chão, os garranchos, o blusão amarfanhado, a
luz que fi- hora em que foi dormir, segura direito esse talher, dei- cou acesa, liga pra
tua vó, o estado deplorável do tênis, a xa de preguiça, cuidado ao atravessar, não
durma de ca- belo molhado, largue esse computador, menos palavrão, hora de
acordar, a consulta no dentista, quem é o amigo pela casa, mal-encarado,
convida os teus primos, não tranca a porta à chave, fecha a janela, abre a janela,
não corre me avisa assim que chegar, tu anda bebendo?

Não que o pai seja relapso, mas se ele ainda vive com a mãe das crianças, a
patrulha cotidiana possivelmente ficará a cargo do sargento o de saias. Nós, tão
femininas, tão doces, tão sensíveis, tão amorosas, nao pensamos duas vezes em abrir
mão desses suaves atributos caricaturais a fim de man- ter a casa de pé, a roda
girando, a vida funcionando, todo mundo no eixo. Se tivermos que ser antipáticas,
seremos. Se tivermos que ser repetitivas, que jeito. Controladoras? Pois é. Alguém
tem que se encarregar do trabalho sujo.

É uma generalização, eu sei, mas amparada no senso comum. Os pais
mandam, ralham, brigam, mas raramente perdem a cabeça, quase nunca gritam
e se estressam. Eles têm essa irritante capacidade de manter a boa reputação com
os filhos. Se forem obrigados a escolher um lado du- rante o barraco, dirão que estão
do lado da mãe, que estão de acordo com tudo o que ela disse, mas irão piscar
para o filho quando ela não estiver olhando.

Ao fim e ao cabo, mães dão conta de todas as crianças da casa. Todas.

É o nosso papel: reger a orquestra familiar ofertando nosso melhor, mesmo que
ele seja confundido pior. É o risco que corremos, mas não há outra maneira de com
nosso educar. O excesso de zelo pode ser estafante, mas é preciso segurar o tranco
de ser odiada um pouquinho a cada dia a fim de garantir um amor pra sempre.

Crônica de Martha Medeiros

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